ARTIGO
O paradoxo do conhecimento: entre a
libertação e o sofrimento*
Neste ensaio, pretendemos estabelecer uma reflexão sobre o conhecer e suas implicações paradoxais, que se encontram entre a libertação e o sofrimento que ele carrega. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), influenciado por Immanuel Kant e impactado pelo pensamento de Friedrich Nietzsche, entre outros intelectuais e escritores, exerceu forte influência.
Schopenhauer criticou as explicações racionalistas sobre o fundamento da realidade e dizia: "Quanto mais claro é o conhecimento do homem, quanto mais inteligente ele é, mais sofrimento ele tem; o homem que é dotado de genialidade sofre mais do que todos." O autor trabalha com a ideia de "vontade", que sugere um poder ou impulso dos seres humanos para a vida, uma vontade de viver e de fazer descobertas, sempre em busca de conhecimentos, empreendendo uma investigação empírica que garante uma explicação básica e factível de quaisquer ações humanas.
Nesse sentido, o autor levanta a questão da relação entre inteligência, consciência e sofrimento humano, algo extremamente pertinente para os dias de hoje. Ele propõe uma ideia profundamente existencial, pois implica o uso de nossa mente, do pensamento, para estabelecer o conhecimento. Sua afirmação sugere que quanto mais alguém é capaz de compreender a realidade, mais consciente se torna das complexidades e determinações da existência, o que inclui o sofrimento humano. Aqueles que se aprofundam nas formas de obter o conhecimento, tanto a nível metodológico quanto teórico, e conseguem se aproximar dele, são particularmente suscetíveis a esse tipo de conscientização e enfrentam desafios que vão além daqueles enfrentados pelo senso comum, geralmente de baixo nível de pensamento e satisfeitos com explicações simplistas.
Conhecer com profundidade e de forma crítica está ligado à capacidade de enxergar além das superfícies, de mergulhar nas profundezas das questões existenciais da vida humana. Isto implica ir aos limites do que é conhecido e das novas possibilidades ainda não aventadas, buscando compreender os elementos subjacentes às ilusões e superficialidades alienantes que muitas vezes nos cegam. Assim, expõe-se a natureza contraditória da vida, nossos potenciais e nossos limites, o estranhamento e o desvelar, as sombras e as luzes dos fenômenos de nosso tempo.
Cada aproximação inteligente, imaginativa e criativa ao conhecimento nos leva a ir mais fundo, a buscar sempre outras e novas respostas, onde outros, que se encontram com suas preocupações da vida cotidiana, podem não ousar procurar. O problema é que toda descoberta nos coloca diante de desafios compreensivos paradoxais que acompanham esse desvelar, esse descobrimento. Cada descoberta é um passo num caminho desconhecido que possibilita a criação, a inventividade, a inovação e, ao mesmo tempo, nossa sujeição a possíveis atos destrutivos, como no caso da energia nuclear e seu uso paradoxal.
Nessa perspectiva, o conhecimento possibilitado pelo uso da inteligência imaginativa pode ser fonte de grandes descobertas e realizações, porém pode trazer revelações que, se utilizadas sem uma ética sólida, podem nos conduzir a maiores problemas futuros. Nosso autor em destaque salienta: "Ficamos cada vez mais indignados quando alcançamos um conhecimento suficiente da superficialidade e da futilidade dos pensamentos, da limitação dos conceitos, da pequenez dos sofrimentos, do absurdo das opiniões e do número de erros da maioria das cabeças". Com essa análise, tudo indica que toda descoberta acompanha essas capacidades; pensar pode tornar o mundo um lugar melhor para viver, com toda sua complexidade presente na Teia da Vida, e também pode tornar a vida humana uma aventura menos perigosa e desencantadora. Afinal, este é um dos fundamentos da ciência: tornar a vida melhor, em busca de seu reencantamento, sem destruir a natureza.
Estamos rodeados de incertezas entre o passado e o futuro, entre as revelações e o encobrimento, entre as descobertas e seus usos práticos. Como Schopenhauer afirmava: “O mundo é minha representação.” Mesmo que cada indivíduo possa incorporar essa afirmação, de que vê e entende o mundo à sua forma, só o ser humano que conhece de forma profunda e crítica pode tornar-se dono dela, ou pelo menos manter uma significativa aproximação. O autor reforça: "Importante não é ver o que ninguém viu, mas sim pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê". Este parece ser nosso grande desafio hoje: tentar ver, entender e analisar o que está aí e que pouco interesse desperta no cotidiano racionalizado de uma vida pragmatizada pelos valores mercadológicos que nos rodeiam.
Mesmo sabendo do risco que nos acompanha por qualquer caminho do conhecimento, onde não há uma segurança plena, todo e qualquer avanço da inteligência crítica carrega consigo revelações, esperanças, novas utopias e, ao mesmo tempo, os desvios sombrios do conhecimento que possam levar ao descontentamento, à descrença no mundo e até mesmo ao caos civilizatório.
*Gabriel Barbosa Bassani é geógrafo
**Paulo Bassani é Cientista Social
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