Artigo
As big tecs e a criação de comportamentos*
Vivemos tempos de controle de
nossos desejos de nossas emoções, de nossas motivações e de nossa vida. O
domínio cultural passa ser o elemento central das formas autoritárias de
controle da população, que avançam num ritmo gigantesco. O sistema hegemônico que vivemos não necessita de
prisão, chicotes, como era com os escravos. Onde havia uma sujeição na forma de
ser, e estar pelo poder, pela violência física.
Hoje há uma espécie de código moral
que determina comportamentos que se parecem com a liberdade, com o livre
arbítrio, mas de fato não se trata disso. Há uma falsa liberdade, pois ela é
condicionada dentro de limites muitos bem estabelecidos. Há uma identificação
acelerada pelas redes sociais em que os códigos comportamentais são forma de
princípios e valores que estão presos a uma bolha de maneiras na qual nelas se
parecem com seus desejos.
O
neoliberalismo que comanda a economia, entendeu que o modo mais eficaz de governar é convencer os indivíduos de que
ele está fazendo escolhas livres, utilizando seu “livre arbítrio” quando na
verdade está seguindo imperativos silenciosos, disfarçados de autonomia, isso sem definir numa constituição, ou em qualquer regra escrita. No
cotidiano os indivíduos aparecem como atores que organizam sua rotina, sua vida, suas metas,
seus afetos, assim como organizam seu tempo, atuando incisivamente nas adaptações, no
aprimoramento e nas cobranças.
As linguagens de comando foram
substituídas por uma forma de autogerenciamento, que atuam no fundo do inconsciente, agindo sobre a
consciência cotidiano que determina condicionantes como: você pode, você consegue, você se basta, siga em frente, não olhe para trás que você chegará lá, alcançará seu objetivos
e atingirá suas metas. A sujeição, desta forma, ganhou a roupagem de liberdade
e o controle passou a ser de dentro para fora.
Isso tudo tem um carro chefe do
sistema orientado pelas big tecs, grandes corporações de tecnologia e
informação, que impulsionam o liberalismo, nesta fase da modernidade, onde se
adapta a modelos democráticos de baixo teor, no qual não necessitam de
forças, físicas, como no tempo da escravidão. Eles operam silenciosamente no campo dos desejos. Transitam em todas as dimensões objetivas e
subjetivas, oferecendo a todos uma aparente liberdade, que para
o sistema é mesmo que livre arbítrio. Nessa lógica os indivíduos procuram fazer o seu melhor, com seu empenho
e dedicação e, quando não conseguem, quase sempre, culpa-se a si próprio, por
não ter se envolvido como deveria, culpa sua fraqueza e baixa dedicação para
obter tal fim. Nesse sentido “a liberdade virou um espelho que cobra e não uma
porta que abre” que cria de fato possibilidades. Frisa-se que estamos vivendo um tempo e falando de uma lógica que molda nossos desejos, nossas vontades, nossas
emoções, e todas as relações sociais, políticas e culturais de nossa
existência.
Quanto a nós que trabalhamos com pensar crítico, reflexivo, imaginávamos, nesse contexto, que nos diálogos com indivíduos inseridos nessa lógica de controle pudéssemos, com argumentos lógicos mudar a forma como as pessoas defendem suas idéias, suas convicções. Apresentamos argumentos, fatos, dados, estatísticas, situações de forma clara baseados em pesquisa, filosofia e na ciência, porém não obtivemos sucesso. Com essa força interpretativa acreditávamos que as pessoa iriam ouvir e entender algo próximo do que seja a realidade. Mas isso não basta, pois a visão, a cosmo visão do outro não permite um dialogo civilizacional mínimo. Acreditam apenas nas informações e argumentos que confirmam suas crenças. Podem até te ouvir, porém jamais aceitarão seus argumentos, pois acreditam cegamente em suas idéias, abrem o modo defensivo, rebatem, apresentam elementos que não fazem o menor sentido. Cria-se um discurso que ignora a complexidade social, econômica e cultural. Ao invés de tornarem-se livres são adaptáveis a esse novo tempo. E o pensar crítico acaba sendo uma forma de resistência, de questionamento a ordem adaptativa que a muitos consome, atinge e determina, porém inoperante, se isola.
Ao que tudo indica, esse modo defensivo, passa por uma deformação mental criada pelo sistema informacional que incute
“verdades absolutas” sem argumentos científicos e tão pouco próximos a realidade. Desta forma não há como os argumentos
construídos de forma crítica ocupar o espaço de falas rasas, falsas, frágeis e
preconceituosas. Como afirmava Carl Segan “Não é possível convencer um
fanático de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências:
baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar." Esse corpo interpretativo, imerso na sociedade, estabelece a
composição de um mundo cheio de achismos, visões distorcidas, falsas leituras que cegam e colocam delimitados argumentos que são
complexos numa cesta da simplicidade.
Isso a neurociência tem nos orientado ser essa, tentativa uma possibilidade real. Ou seja a capacidade do cérebro de qualquer pessoa mudar por argumentos sólidos e por uma pratica consequente. Porém a pessoa deve estar aberta e esse, vamos assim chamar “modo conhecer”, sem pré-conceitos. Pois entende-se que reduzir realidades complexas, a situações simples e de fácil entendimento, é muito perigoso, pois aí reside a ignorância, ou o domínio do não conhecimento de fatos construtores de realidades.
Cabe persistirmos com argumentações
sólidas, bem elaboradas, a partir do que se conhece até o momento e o que
poderá vir ser descoberto no amanhã. Como afirmava Albert Einstein “Tudo aquilo
que o homem ignora, não existe para ele. Porque o universo de cada um se resume
ao tamanho de seu saber”. Talvez nessa insistência, tolerância e persistência
possamos demonstrar que os argumentos fundados em princípios filosóficos e
científico, podem ter um espaço de reconhecimento tão necessário para
esclarecer nosso mundo e nossa vivencia complexa. Resta resistir, não ceder a esse comportamento, que facilita o modo de viver, na medida que cede cegamente a uma lógica que está fora de nossas determinações.
*Paulo Bassani é cientista social
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