ARTIGO
Folha de Londrina
Espaço Aberto
Londrina, Paraná
13/03/2025
As caixinhas
mentais*
O conceito de
"caixinhas mentais" refere-se a uma metáfora sobre os esquemas
cognitivos que moldam nossa percepção do mundo e de nós mesmos. São as partes
constituintes da massa cerebral que permitem produzir e armazenar informações e
conhecimentos que estabelecem os comportamentos dos seres humanos nesta
sociedade.
Essas
"caixinhas" são como compartimentos nos quais organizamos nossas
crenças, valores, pensamentos e nossas experiências formando estruturas
internas que guiam as ações e reações diante do mundo que vivemos. Desvendar
essas caixinhas implica uma prospecção mais profunda da subjetividade humana, e
esse processo é extremamente profundo, complexo, filosófico, envolvendo
um pensar com a colaboração de inúmeros campos da ciência.
A complexidade das
"caixinhas mentais" se dá pela variedade de influências externas que
moldam nossa forma de pensar e interpretar a realidade em nosso dia a dia.
Dadas pela experiência de vida, educação, cultura também podemos afirmar
como os cientistas chilenos, Maturana e Varela afirmavam que "o ponto
de vista é visto de um ponto" e é esta movimentação do lugar onde estamos
de onde olhamos para a realidade que determina em grande medida nossa concepção
de mundo, mesmo que influências genéticas possam participar de maneira menor
desse construto. As caixinhas, ao mesmo tempo em que nos fornecem uma
estrutura, podem limitar nossa visão de mundo, impondo fronteiras, que nada
mais são que os medos, os pré-conceitos e a própria ignorância para a
desenvoltura da imaginação e da criatividade. O desvelamento delas é, portanto,
um processo de auto-descoberta e de expansão do pensamento crítico, que visa
não apenas compreender o conteúdo objetivo e subjetivo presente, o que
evidenciam o que escondem, mas também será possível transcender suas limitações
para investigar seus limites e potenciais, presentes em cada ser humano.
Quando se busca
compreender os potenciais e valores de uma caixinha mental, teremos que proceder
a uma análise crítica que envolva tanto a introspecção, quanto a ação no mundo
determinado. Jean-Paul Sartre, por exemplo, argumentou que o ser humano é
"condenado à liberdade", ou seja, somos, por natureza, seres que
possuem a capacidade e a responsabilidade de criar e atribuir sentidos para nossas
vidas. Assim Dostoievski, F. afirmava “O mistério da existência humana não está
apenas em permanecer vivo, mas encontrar algo pelo qual viver”. Isso nos
permite refletir que o desvendar desse conhecimento interno possibilita
estabelecer algumas passadas compreensivas que qualificam essa afirmação.
Esse espaço pode ser
visto como as escolhas que fazemos ao longo da vida e as interpretações que
damos aos fatos do mundo, mas também como as limitações impostas pela sociedade
ou por nós mesmos. O existencialismo de Sartre sugere que, ao desvelarmos essas
limitações, temos a chance de redefinir quem somos reavaliar nossos valores e
transcender as condições sociais que nos aprisionam a esta ou aquela concepção
moral de valores. Hoje conhecer estas situações que nos aprisionam é
fundamental para entendermos algumas atitudes e comportamentos que ressurgem e
se manifestam no Brasil e mundo afora.
O conceito de
pensamento imaginativo, criativo e inovador, por sua vez, se relaciona com a
capacidade de superar as estruturas mentais rígidas, geralmente condicionadas a
questões tradicionais, morais e conservadoras. Em um mundo marcado por crises
humanitárias, climáticas e desafios sociais inúmeros, a inovação não pode ser
apenas um avanço técnico, como um aperfeiçoamento das formas de conceber e
fazer o mesmo deve ser também uma inovação filosófica, ética e sustentável. O
sociólogo Boaventura de Sousa Santos defende a ideia de "ecologias de
saberes", onde o diálogo entre diferentes formas de conhecimento
(científico, popular, indígena) é fundamental para encontrar algumas
possibilidades de superar as crises globais, criadas subitamente por uma
orientação hegemônica da modernidade capitalista ditando a forma de ser
estar no mundo, como as únicas possibilidades, mesmo que demonstrem seu
esgotamento, e, exemplos não faltam.
Nesse sentido, as
“caixinhas mentais” de cada ser humano devem ser constantemente examinadas para
que novas formas de pensar, ser e agir possam emergir, possam se
manifestar no contexto do território onde acontece a vida, suas habilidades de
transformar e ser transformado pelo conjunto de influências que está condicionado,
relacionado e convivido em seu cotidiano. O pensamento imaginativo é uma
ferramenta criativa, que pode abrir portas e janelas para a luz de novas
experiências humanas, para que as perspectivas, anteriormente comentadas,
possam emergir. Assim essa imaginação torna-se um instrumento necessário para a
sobrevivência coletiva de nossa espécie em um planeta em crise civilizatória, e
hoje altamente impactado pela forma desgarrada da conservação e do cuidado com
a biodiversidade.
*Paulo
Bassani é cientista Social
OBS: Este texto esta completo originalmente, pois na postagem para a Folha de Londrina, devido ao limite de caracteres, determinado pela Folha de Londrina, foram cortados alguns trechos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário