Ensaio
Santo Antônio da Platina, Paraná
18/06/2025
Paulo Bassani
Um paradigma necessário de vida compartilhada*
Diante da escala militar, das
mortes de crianças, mulheres, idosos inocentes, de fome e destruição com muitas
bombas e diante uma guerra destruidora iminente. Lembro que neste solo da
palestina onde nasceu, viveu, e com seu exemplo e mensagem Jesus Cristo que
deixou uma lição de amor e paz. Venho,
para tanto, neste ensaio, lembrar uma das principais orações do cristianismo o “Pai
Nosso”. Na oração do Pai Nosso eixo central da mensagem
cristã, há uma frase que sempre me intrigou e hoje torna-se mais pertinente “...Venha a nós o vosso Reino, seja feita a
vossa vontade assim na Terra como no céu.” Desta forma imagino: Como
seria esse reino divino na Terra? Como se estruturaria esse paradigma cristão
de um modo de viver? É o que tento levantar nas linhas abaixo, apenas como uma
introdução a algo tão complexo e tão polêmico. Pois o mundo que vivemos, em sua
forma hegemônica, militar e excludente se coloca totalmente contrário e esses
ideais.
A ideia da construção de
um reino divino na Terra pode soar utópica à primeira vista. Contudo,
quando desdobrada em suas dimensões éticas, espirituais, educativas e
existenciais, revela-se como uma proposta transformadora, não apenas possível,
mas necessária. Esse paradigma, alternativo e inédito, clama por um novo
contrato civilizatório baseado na harmonia, no cuidado, no reconhecimento da
diversidade e no respeito aos limites do planeta que habitamos. Algo muito
destacado na encíclica “Louvado Seja” do Papa Francisco.
Neste reino, o princípio
organizador da vida não é a dominação, mas o diálogo. Um diálogo constante,
profundo e aberto, em que nenhuma entidade, etnia, nação, homem ou mulher se
sobreponha a outra. A hierarquia que estrutura o mundo moderno, baseada no
poder, na acumulação e na exclusão, cede lugar a uma teia de relações
simétricas, onde todos os seres têm valor intrínseco, independente de qualquer
tipo de diferença. Não se trata de nivelar as diferenças, mas de compreendê-las
como expressões da beleza, da complexidade e da co-existência de vida neste
planeta.
O caráter educativo e cultural
desse novo modo de viver é central. Ele exige a aprendizagem de uma ética do
cuidado e da convivência, onde o saber não é instrumento de controle, mas de
conexão, de aprendizagens, de trocas de experiências. A educação, um direito a
todos, torna-se, assim, um caminho para cultivar a escuta, a empatia e a
humildade, virtudes essenciais para quem habita a Terra, nossa Casa Comum com
consciência, respeito e responsabilidade.
Esse paradigma também é ecológico
em sua essência. Ele reconhece que o planeta é finito e limitado, e que o modo
de vida que temos construído baseado na exploração infinita do patrimônio da
natureza e na ilusão do crescimento sem fim, nos levou à beira do colapso da
vida humana e dos demais seres vivos que coabitam e nos
relacionamos. Em contraste, o reino divino na Terra propõe uma vida compatível
com os potenciais e os limites planetários e da espécie humana. Propõe um modo
de viver que valoriza o suficiente, o cuidado com o outro, o tempo da natureza,
os ciclos da vida, as bondades da natureza, o ser antes do ter, numa comunhão e
partilha para que não haja fome e tão pouca miséria material.
Não se trata, portanto, de um
retorno ao passado, mas de um salto ao futuro, com consciência emancipada. De
uma nova convivência, em que a espiritualidade se expressa não como dogma ou
imposição, mas como presença, como reverência à vida em todas as suas formas,
tanto no mundo material quanto no mundo sensível. Um mundo onde o equilíbrio, a
equidade, a cooperação,justiça e sustentabilidade não sejam apenas palavras,
mas práticas cotidianas de um modo de viver.
A construção desse reino não virá
por decreto nem será obra de um partido político, de país, de um governante.
Será um processo coletivo de humanização da humanidade, um processo paciente e
persistente, alimentado por gestos de amor, resistência e esperança. Um caminho
em que cada passo dado na direção do cuidado, da solidariedade, da cooperação e
da escuta ativa nos aproxima desse horizonte comum. Este é um chamamento do
nosso tempo: sonhar com o inédito, com o que ainda não existe e trabalhar por
ele com humildade, consciência, colaboração de todos, diversos e unidos numa
causa determinante e necessária.
Assim nascem as utopias, assim
elas se concretizam. E nesse caminhar por uma Travessia molda-se se configura
um possível reino de Deus na Terra, afinal foi por este fim que seu filho foi
enviado para junto de nós, para que os seres humanos pudessem compreender a
dimensão divina do viver. E compreender que estamos imersos
neste pequeno, belo, e sagrado território de um reino repleto das manifestações
de sua divindade. Com os pés no chão e o coração aberto independentemente de
qualquer crença religiosa, política, ideológica, poderemos avançar nessa
construção civilizatória. Afinal construções sociais, econômicas, políticas e
culturais que agregam os seres humanos na sua interação harmônica como teia da
vida parece ser algo urgente e necessário.
Trata-se, nessa dimensão, agregar
a humanidade algo que temos na profundidade de nossa condição humana como seres
colaborativos de nossa espécie e com toda a teia da vida que conosco coabitam
esse planeta chamado Terra.
*Paulo Bassani é cientista social
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