Artigo, Folha de Londrina, 19/12/2022
Londrina, Paraná
Carta de agradecimento ao mestre Gerd !*
Numa das
primeiras conversas filosóficas que tive com um dos meus grandes mestres, Gerd
Bornheim, que muito me inspirou em filosofia e teatro, ele fazia questão de
lembrar que “a melhor forma de entendermos e nos fixarmos na realidade passa e
perpassa necessariamente pela abstração”, por uma profunda intelectualização
dos processos de conhecimento gerador de saberes. Pelo exercício teórico e
pelas metodologias que conseguem alcançar, captar inúmeras determinações de uma
realidade, de um fenômeno ou de um fato a ser explicado.
Isso porque, a realidade é sempre movimento com
dificuldade de fixá-la e, ela dificilmente se revela imediatamente,
necessitamos de um esforço do pensamento e da abstração que sinalize atingir
esse alcance. Que clarei o percurso do entendimento numa escuridão donde ela
geralmente se encontra.
Esta postura, mesmo que na vida cotidiana nos
leva a outros caminhos e descaminhos e, devemos adotar o tempo todo em nossa
vida, o seguinte princípio: se não for possível explicar com maiores detalhes e
embasamento é melhor nos calar, observar, acompanhar sem nosso pronunciamento, pois
corremos o risco de ser esta intervenção geradora de uma narrativa quase sempre
inapropriada pela sua insuficiência explicativa e correlata aos fatos
analisados. Se avançados de forma consciente na formação muito mais complexa
dessa alta modernidade que vivemos, não seriam oportunas leituras, afirmações e
narrativas rasas.
Gerd não viveu para presenciar, analisar este
tempo de contatos, influencias e narrativas cibernéticas, nos deixou justamente
no inicio desta era. Penso que
estarrecido, pelo quadro que encontraria poderia lembrar, o quão importante
faz-se necessário retomar leituras, aprofundar análises, ter o cuidado seletivo
na escolha dos elementos teóricos e metodológicos para não alimentar o vazio do
percurso analítico. Para desatar o nó que a modernidade no qual ele, de forma
brilhante, já havia demarcado seus princípios e seus passos e decorrências, das
contradições que se acumularam e dos desdobramentos conseqüentes.
Estas
decorrências nos colariam numa posição numérica quantitativa que já existe com
a emergência das mideas e redes digitais. E, facilmente perderíamos, no
turbilhão de informações e imprecisões que comandam de forma hegemônica esse
meio, que bate e rebate na formatação e reprogramação cerebral dos humanos de
nosso tempo. Muito distante de uma intelectualização onde o pensar comanda os
processos geradores de conhecimentos factíveis para viver, compreendendo de
forma mais profunda este conjunto de implicações.
Outra postura, difícil de conviver e pertencer
a esse mundo, é do aprofundamento constante em nossos estudos e trabalhos
científicos, sem dúvida, um caminho espinhoso, de dedicação e de desafetos, de
invisibilidade, de não reconhecimento e de afastamento de um convívio social.
Ao mestre agradeço a orientação e inspiração para trilhar por esses labirintos
enigmáticos do conhecimento. Temo, que se meu grande mestre, hoje vivo, seria
mais um pensador, na multidão de surdos, cegos, esses comandados por vozes
eletrônicas coisificadas atordoando a todos.
OBS: Gerd Bornheim
nasceu em 19/11/1929 e faleceu em 05/09/2002 foi um dos maiores filósofos
contemporâneos e crítico de arte.
*Paulo Bassani é
Cientista Social, Escritor e Prof. Universitário
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