Artigo
Da formatação biológica a cerebral*
Nós seres humanos, somos antes de tudo animais mamíferos, embora dotados
de múltiplas capacidades, nos distinguimos das outras espécies animais por meio
de nossa inteligência, imaginação e criatividade. Essas habilidades cognitivas,
evolutivamente desenvolvidas, possibilitaram avanços significativos em diversas
áreas, científicas e filosóficas desde o uso da linguagem, das artes e das
ciências decorrentes. A partir dos estudos da neurociência e da psicologia,
sabemos que a mente humana é capaz de operar em níveis complexos,
transcendentais até, o que, em teoria, nos permite superar os comportamentos
puramente instintivos observados em outros seres animais. Contudo,
paradoxalmente, muitas vezes nos envolvemos em práticas determinadas por um
cotidiano pragmático que, ao invés de refletirem o uso pleno de nossas
capacidades racionais, nos aproxima dos padrões de comportamento mais
imediatistas e instintivos não sendo possível estabelecer essas diferenças com
os outros seres vivos.
Essas características podem ser explicadas pelo sistema de recompensas
no cérebro, especialmente ligado à liberação de dopamina. Estudos de
neurociência e da neurobiologia comportamental indicam que a busca pela
gratificação instantânea, como prazeres imediatos e impulsos primários, é
mediada por mecanismos do processo evolutivo destinados à sobrevivência e reprodução.
No entanto, os seres humanos, estão dotados de um córtex pré-frontal
altamente desenvolvido, possuímos a capacidade de estabelecer discernimentos, recompensas
e refletir criticamente sobre nossas ações. Ainda assim, devido ao cotidiano
pragmatizado, somos frequentemente seduzidos pela busca de soluções rápidas, o
que revela um conflito entre a evolução biológica e as demandas externas que
são sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais contemporâneas.
Essa busca por respostas e atitudes rápidas pode ser vista como uma
tentativa de evitar o pensamento, a reflexão. Algumas correntes da psicologia
sugerem que a consciência, enquanto resultado da evolução cognitiva, traz
consigo um peso psicológico, situando-se na necessidade de enfrentar a incerteza
existencial e a responsabilidade por nossas decisões e escolhas, sobretudo no
foro publico.
A fuga para comportamentos instintivos pode ser entendida como um
mecanismo de defesa contra o pensar crítico, a necessidade de mentalizar
elaborações cruzando informações, aspectos teórico-metodológicos acerca de uma
determinada abordagem. Por isso torna-se mais fácil repetir, reproduzir formas
morais determinadas por um tempo-espaço cultural onde emergem e são
reproduzidas com a única lógica de ser e de pensar.
Ao sucumbir a esses impulsos, internos e externos, os seres humanos não
utilizam plenamente seus potenciais intelectuais. A filosofia da mente e a
ética apontam para a importância de integrar instintos naturais com a
capacidade de esclarecimento, transformando desejos primários oriundo do
contexto que vive e das influências que recebe, hoje prioritariamente das redes
sócias, em ações que determinam algo que
explica e garante sua maneira de expressar e de viver. Crendo profundamente ser
esta a única e bem sucedida forma, pois mudá-la esta muito distante de seu
horizonte de vida.
O que nos distingue dos demais seres vivos animais, não é a negação de
nossos impulsos, mas a capacidade de regulá-los e conceder-lhes um valor que
ultrapassa o biológico, senso um produto mental da inteligência no uso da
imaginação e da criatividade.
Assim, a realização humana, ou seja, o exercício de nossa condição
humana segundo diferentes teorias filosóficas e científicas reside na
harmonização entre o pensamento e o instinto biológico. Obviamente não se trata
de rejeitar nossa biologia animal, mas de transcender suas limitações,
utilizando as capacidades cognitivas avançadas para elaborar, construir uma visão
de mundo e suas práticas decorrentes fundada em elementos norteadores de nossa
condição de seres pensantes, imaginativos, criativos e criadores de forma que
se esgotam com o tempo e nos impulsiona a busca e de outros e novas formas.
Isso determina uma existência mais complexa e enriquecedora, compatível com as
potencialidades únicas de nossa espécie.
*Paulo Bassani é cientista social
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